Pesquise no blog e na web

quinta-feira, 15 de abril de 2010

BLADE RUNNER E AS QUESTÕES DO "EU" (Edu Reginato)


Entre todos filmes assistidos, três produções marcaram bastante minha vida na década de 1980: Blade Runner (Blade Runner, EUA, 1982), de Ridley Scott; Asas do Desejo (Der Himmel Uber Berlin, ALE, 1987), de Wim Wenders; e Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso, ITA, 1989), de Giuseppe Tornatore.

Cinema Paradiso me tocou por se algo biográfico, como um filme super 8 sobre a minha infância e sobre uma previsão de algo a seguir. Asas do Desejo foi meu primeiro contato com uma visão filmica/filosófica/existencial sobre o indivíduo, sua liberdade e sua relação com um todo, uma sociedade (nesse caso uma sociedade partida em alemanha ocidental e oriental). Mas, o que mais me impressionou, que me fez tirar o sono e olhar pela janela, para além do mundo que me rodeava, que não era tão vasto assim, foi Blade Runner. Esse filme não me fez apena olhar para o futuro, mas também para dentro de meu “eu”, o “eu” em formação, esse personagem que estava sendo devidamente escrito por mim. Quem seria eu, que personagem de mim seria interpretado no futuro.

O contexto em que assisti a Blade Runner era assustador. Um momento politico caótico no Brasil. Morava em Brasília, e vivia o fim da utopia de uma geração que saía da opressão dos governos militares e sofria a morte de um presidente que representava uma nova visão política para o Brasil. Acreditávamos que a censura e o medo estavam terminando junto com aquele governo Figueiredo e depois de toda a pressão pelas Diretas Já teríamos em Tancredo Neves um alento para todos os anos de escuridão. E veio o fim dessa esperança. O início dessa nova república, os anos Sarney, os pacotes econômicos, a inflação galopante. Pensava num futuro não muito longe da Los Angeles de 2019.

Um primo meu me chamou para assistir um filme fantástico que seria reapresentado num cinema do Conjunto Nacional perto dos Ministérios. Era um caso especial mesmo pois eu não assisti na época do seu lançamento, 1982. Em 1986, eu tinha 11 anos, e o filme era censura 18 anos (coisa da censura dos militares), mas meu primo deu um jeito e acabei entrando no cinema.

Fiquei pensando bastante em Rick Deckard (o caçador de replicantes) e Roy (o líder dos replicantes caçados por Deckard). Enquanto Rick Deckard é um personagem oitentista, egocêntrico, voltado para seu “umbigo”. Roy tem uma visão mais cosmopolita, mais abrangente sobre a condição da vida, pois no auge de seus quatro anos de idade, ele um replicante, um humanoide, foi programado para morrer e, assim, não ter tempo para desenvolver emoções.

Deckard despreza sua vida, despreza tudo que o rodeia, seu trabalho, principalmente, não lhe glorifica. Ele está cansado de matar replicantes revoltos, porque, de certa forma, ele se identifica com os Replicantes. Coisa que saberíamos anos depois, lendo o livro ou assistindo a versão do diretor; Deckard se identifica pois ele é um replicante sem saber do fato.

Os personagens Deckard e Roy são nêmesis a princípio, mas na realidade são irmãos, produtos artificiais de uma corporação que fabrica seres. Fabrica avatares com memórias implantadas e que as provas de seus passados estão em fotografias.

Então os personagens são cascas, com historias falsas, longe de uma vida eles tiveram um falso viver, são um falso eu, onde o autor, o criador das corporações Tyrell, é o escritor de suas vidas. Tyrell é o pai e autor desses personagens, Roy, Deckard e os outros replicantes. Roy volta à terra em busca de um bem maior, mais vida, mais tempo para viver. Só seu autor/criador pode fazer isso, mas existem obras que não podem ser modificadas, muitas vezes pela soberba do próprio criador.

O replicante Roy e seus seguidores procuram mais tempo para poderem ter contato com seus “eus”, suas futuras verdadeiras identidades além daquelas escritas por seu criador. Os replicantes são personagens em busca de mais tempo numa obra e que, de repente, tomam-se por si como personagens e exigem do autor a resposta para seu eu, a a vida além daquilo que foi escrito para ele.

Jonathan Culler sistematizou as definições do “eu”, segundo ele “o que é este “eu” que eu sou – pessoa, agente ou ator, sujeito – e o que faz desse “eu” o que ele é?”. Dessa indagação surgem duas questões fundamentais: Será o sujeito algo dado ou algo adquirido? Esse sujeito deverá ser considerado em termos individuais ou sociais?

Roy abre os olhos de Deckard no final do filme para essas questões. A Roy foi dado um passado falso, seu avatar precisa de mais tempo para construir, para adquirir o conhecimento de si próprio pois ele nada mais é que um personagem que tem sua vida limitada ao que seu escritor/criador lhe escreveu. O personagem é o “eu” do autor ou é o seu “eu”? Então, Deckard, Roy e os demais são máscaras de seu criador Tyrell, que, por sua vez, é máscara de seu criador Philip K. Dick?

Os replicantes e Deckard são orfãos de uma identidade, não conhecem utopias, e são virgens de sentimentos mais profundos, principalmente do amor, tanto o amor sexual como o amor universal. No entanto eles aprendem rápido, eles anseiam por todo tipo de informação que lhes tornem mais humanos, menos personagens. É assim que Deckard se apaixona pela replicante que desconhece sua condição humanóide. E é assim que Roy poupa a vida de Deckard num dos momentos mais belos da história do Cinema. Um dos mais tristes solilóquios sobre a morte e a existência que o cinema nos ofereceu:

“Eu vi coisas em que vocês não acreditariam. Entrei em naves de ataque em chamas perto do ombro de Orion. Eu assisti à dança dos raios C no portão de Tannhauser. Agora estes momentos ficarão perdidos no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.”

Roy morre, no entanto subverte aquilo que seu criador o programara. Roy sofre de não ter mais tempo para passar todas suas inacreditáveis experiências. Morre poupando uma vida. Roy a criação de Philip K. Dick, no entanto Philip é uma máscara de outro autor, Ridley Scott, o cineasta. Roy e Deckard são filhos dos dois. Foram criados para indagar sobre a importância de nossa própria identidade, do nosso “eu” que deveras tantas vezes tendem a tentar manipulá-lo.

E foi isso saindo daquele cinema em Brasília, em 1986, início do governo Sarney, o futuro do Brasil mais nebuloso ainda. Eu, ali, com onze anos pensando se éramos livres ou, apenas, Replicantes.

domingo, 24 de janeiro de 2010

O HOMEM DE TERNO BRANCO (Edu Reginato)



O HOMEM DE TERNO BRANCO (The man in the white suit, ING, 1951) Dir: Alexander Mackendrick. Com: Alec Guinness, Joan Greenwood, Cecil Parker.

Sidney Stratton (Alec Guinness), um cientista ingênuo, excêntrico e idealista desenvolve um tecido que não se desgasta e suja nunca, praticamente indestrutível. Seria uma descoberta espetacular da ciência se os executivos da indústria têxtil e o sindicato dos trabalhadores não fizessem de tudo para que Stratton nunca divulgasse essa informação à imprensa. Tanto para o lado das industrias quanto dos trabalhadores as perdas seriam incalculáveis e essa revolução geraria uma mudança na economia. Dessa forma o invento que possibilitaria enorme ganho humanitário de certa forma causaria uma crise econômica imensa para a sociedade.
Essa excelente comédia inglesa se equilibra espetacularmente nesse tema ambíguo. Os dois lados da moeda (capital x trabalhadores) compartilham do mesmo egoismo. No entanto, não existe um lado que esteja errado nessa questão e, também, certo. Por outro lado temos o idealismo de Stratton, que luta para que sua criação seja reconhecida e que tenha uma função benéfica na vida das pessoas, chocando-se com os efeitos reais que sua descoberta pode gerar em larga (crise na indústria têxtil, desemprego no setor) e pequena (as pobres senhoras que lavam roupas para fora ficarão sem trabalho!) escala.
Alec Guinness está perfeito com sua imensa sutileza que vai da ingênua euforia da descoberta à melancólica decepção pelo fracasso. O excelente roteiro é dirigido com precisão por Mackendrick que havia dirigido o delicioso Quinteto da Morte, também, com Alec Guinness.
Esse filme nos faz refletir o quanto as questões dos avanços e descobertas científicas e tecnológicas podem abalar o sistema capitalista vigente e o quanto, para que isso não aconteça, é necessário "sabotar" essas descobertas. Imaginem a criação do motor que funciona a base de água ou mesmo um tipo alternativo de combustível que pode ser produzido em larga escala e seja barato e não poluente. O que acontecerá com a Petrobrás e todos seus projetos em desenvolvimento, todos seus apoios, todos seus trabalhadores? E a cura do câncer? Como ficarão os laboratórios de pesquisa, os planos de saúde, os hospitais? São teorias conspiratórias, sim, em parte. Mas, o que garante que já não descobriram. Ou se descobrirem, o que garante que não serão compradas ou sabotadas e jamais veremos a solução para nossos problemas.
Esse filme nos faz pensar. Brilhante!