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terça-feira, 22 de setembro de 2009

NOIR & HQs – Uma Mistura para o novo cinema policial (Edu Reginato)


É inegável o fascínio que as histórias em quadrinhos exerceram sobre várias gerações, desde que surgiram em 1895 na figura do Yellow Kid, publicada pelo New York World. Rotuladas como leitura marginal, capaz de embotar a mente dos jovens, fora, vítimas de pais e educadores (que as liam no banheiro) e de furibundas ligas de decência. Esforço vão. Elas vinham para ficar, uma bola de neve incontrolável, tendo a empurrá-las a arte americana de disseminação, que espalhou seus comics por todo o mundo.
E os heróis surgiram e foram idolatrados. Algumas historietas eram verdadeiros primores na arte do desenho, como Príncipe Valente, Tarzã, Flash Gordon. Brigas teriam que surgir diante de um negócio que se tornava rendodíssimo, como por exemplo Superhomem versus Capitão Marvel. Esta última criação não pôde ser publicada nos Estados Unidos por ter sido considerada um pastiche do Homem de Kripton. Sua importância extrapolava fronteiras e incomodava. Goering, poderoso ministro de Hitler, bradava: “O superhomem é judeu!” Mussolini fazia coro: “Flash Gordon é um propagandista americano.” Uma das senhas americanas durante a Segunda Grande Guerra era: quem é a esposa de Pafúncio? Quando Ferdinando casou com a Risoleta foi capa do Times. Virou peça na Broadway e filme de sucesso. O Dia da Maria Cebola, que muitos donos de casas noturnas no Brasil promovem para atrair mais público, onde as mulheres abordam os homens, originou-se dessa historieta, pois, nesse dia em Brejo Seco, os solteiros eram implacavelmente perseguido. Seu autor All Capp foi sugerido para o prêmio Nobel por John Steinbeck: “é o maior escritor da América.” Popeye tem estátua no Texas, também virou filme com atores humanos e pasmem, personagem de um dos mais nacionalistas de nossos escritores: Monteiro Lobato. Sim, andou passeando pelo Pica-Pau Amarelo. O Apollo 8 e seu módulo lunar foram denominados respectivamente Charlie Brown e Snoopy.
Felinni foi um apaixonado pelos quadrinhos, chegando a declarar: “seria o mais feliz dos homens se pudesse filmar Flash Gordon e Mandrake.” Por falar em Mandrake, Lee Falk, seu escritor, veio ao Brasil há alguns anos e ficou surpreso com o número de repórteres que foram entrevistá-lo e também aborrecido com o teor de algumas perguntas, como, por exemplo, se o Lothar não seria algo mais que um guarda-costas, em outras palavras, se não havia um caso entro os dois personagens.
O cinema, que no início não investira na nova arte a não ser em indigentes mas degustadíssimas fitas em série abriu campo às super-produções. A TV também contribuiu para aumentar a popularidade lançando desenhos aos borbotões.
A passagem das aventuras em quadrinhos para o celulóide foi algo extremamente natural. As histórias em quadrinhos sempre fascinaram as crianças e adultos com seus heróis que muitas vezes representavam os desejos reprimidos de indivíduos ou de uma sociedade. Assim, matinês inesquecíveis exibiram filmes com personagens Flash Gordon, O Sombra, Rockteer entre outros. Era lucrativo e muito simples fazer séries de filmes de baixíssimo orçamento, mas de imensa criatividade. O cinema de aventura deve-se muito à influência desses pretensiosos produtos de entretenimento.
Da mesma forma que o cinema evoluiu no seu formato e contextos, as históriias em quadrinhos se desenvolveram com o tempo, passando de diversão descompromissada para algo além, não apenas divertir mas indagar sobre questões sociais, abordar temas delicados e situacões contemporâneas sérias e de urgência. Dessa forma foi inevitável a humanização dos personagens, os super-heróis eram invuneráveis, mas padeciam de sentimentos humanos. Outra evolução foi que as HQs não precisavam mais, propriamente, abordar histórias de super-heróis, podiam trabalhar com personagens humanos, gente comum, transeuntes num cotidiano muitas vezes extraordinário, foi o caso de Will Eisner, desenhista que criou um universo de pessoas comuns e extraordinárias, vide seus albuns Avenida Dropsie e Pequenos Milagres. Will também criou o personagem Spirit surgido em 1940 como suplemento dominical do Weekly Comic Book. Spirit é um vingador mascarado que luta contra o crime, esse anti-herói é um misto de marginal e detetive, e guardando as semelhanças com outro personagem mais famoso, o Batman, as semelhanças ficam por aqui, pois o que diferencia um do outro é que Spirit é muito humano, não é um gênio, não é milionário, não tem um carro legal ou super armas nem luta contra vilões extraordinários como o Coringa, seus vilões são gangsters assassinos, prostitutas lascivas, bêbados e vagabundos amorais e decrépitos, ladrões desdentados e imundos, simplesmente a fauna underground que povoava as grandes cidades norte-americanas do início dos anos 40. Spirit foi criado sobre influência das pulp-fictions (literatura barata com histórias abordando temas como sexo, crime, mistério e muita violência e sangue) e dos filmes noir franceses e americanos.
É nesse momento que se cruzam os temas desse trabalho, pois a discussão é sobre um dos mellhores filmes policiais produzidos nos últimos anos, Sin City, esse filme é a mistura perfeita dos dois elementos, HQ + Cinema, pois é dirigido por Robert Rodriguez e Frank Miller. Robert é pupilo de um dos renovadores do gênero policial no cinema, Quentin Tarantino que no início dos anos 90 dirigiu Cães de Aluguel e Pulp Fiction, duas obras primas de estilo. Frank Miller é um dos quadrinistas mais importantes de todos os tempos, sempre será lembrado por revitalizar o personagem Batman, na obra-prima O Cavaleiro das Trevas, mas também é importante pela sua premiada série Sin City, quadrinhos sobre um universo marginal assustador e desesperançoso povoado de detetives fracassados, policiais corruptos, putas de bom coração, vamps alucinadas, junkies, ladrões e todo lixo social possível, elementos que caracterizam o gênero Noir, tanto na literatura como no cinema.
Mas para comentar o filme Sin City é necessário explanar um pouco sobre o surgimento do cinema Noir e sua influência no gênero policial além de suas características peculiares.
O filme policial surge na França, no começo do século, mas é nos Estados Unidos, a partir da década de 30, que o gênero se firma. Cenários sombrios e escuros, neblina, cenas de crimes e violência envolvem detetives, policiais, aristocratas e belas mulheres. O filme noir - como os franceses o denominaram - logo se impõe como um grande gênero. Destacam-se Howard Hawks por Scarface - (Scarface - 1932) e John Huston por Relíquia Macabra / Falcão Maltês (The Maltese Falcon - 1941).
Em 1941, os Estados Unidos entravam na Guerra. No mesmo ano, estreava O Falcão Maltês, filme de Jonh Huston, que é considerado o primeiro filme noir da história.
Em seu ensaio sobre filme noir, de 1972, Paul Scharader, define-o como uma período específico da história do cinema, colocando-o em pé de igualdade com o Expressionismo Alemão e a Nouvelle Vague Francesa. Diferencia-o, portanto, do gênero, como o western e o filme de gângster, garantindo-lhe o status de movimento.
Porém, não foi um manifesto, nem uma declaração de princípios que lhe conferiu a devida importância histórica e artística, e sim a crítica francesa, que cinco anos após a estréia americana do filme O Falcão Maltês tomava contato com uma nova sensibilidade, uma estética, que impregnou a produção de filmes B hollywoodianos (principalmente filmes policiais) e, mais tarde, até mesmo alguns melodramas classe A.
Em seu livro "A outra América", o jornalista José Arbex Jr., escreve que, a história contemporânea dos Estados Unidos, de certa forma, pode ser descrita como uma luta entre as facções pró e contra as reformas econômicas e sociais patrocinadas por Franklin Delano Roosevelt, conhecidas sob a designação de New Deal.
Essas medidas tinham por objetivo à reestruturação do sistema capitalista do país, em colapso desde o crash da bolsa de Wall Street em 1929, que engendrara a grande Depressão, o acontecimento responsável pela primeira e talvez irreversível desilusão americana com seu projeto de ação.
O filme Noir é descendente direto do filme de gângster dos anos 30, que por sua vez é filho desta realidade, marcada pela crise econômica e pelo aparecimento do crime organizado, estruturado junto à instituição de Lei Seca e que imediatamente após sua revogação, intensificou e diversificou suas atividades. O crime tornou-se um meio rápido de ascensão social. A moral perdia sua rigidez e se desintegrava, numa sociedade aonde as antigas leis políticas e econômicas não garantiam mais um futuro promissor.
A ação das organizações criminosas se assemelhavam aos procedimentos utilizados pelas grandes corporações capitalistas, diluindo a fronteira que separava legalidade da ilegalidade. O cidadão comum ficava à deriva, num mar de incertezas, ou se deixava levar pelas ondas da corrupção.
O crime surge, nem tanto como o resultado de uma revolta contra as condições de um sistema que marginaliza e oprime, mas como tentativa de preencher vidas tediosas e opacas.
A violência é a válvula de escape, o termomêtro social, forma que seres embrutecidos encontram para perseguir seus interesses, reivindicar seus direitos, ou manifestarem sua inadaptação ao mundo.
O otimismo puritano americano ruía opor dentro, enquanto que no Velho continente, a ascensão do fascismo e do nazismo, preparavam o caminho para a 2a Guerra Mundial, evento que abalaria as estruturas da sociedade ocidental, e instauraria um mal-estar generalizado no homem moderno.
Quando o Japão atacou Pearl Harbor, base militar americana no Pacífico, em 7 de Dezembro de 1941, os Estados Unidos, graças ao New Deal, já haviam superado a fase crítica da Grande Depressão. Com a vitória na 2a Guerra, os Estados Unidos começavam a se consolidar como a maior potência capitalista do planeta. O mal antes representado pelo nazi-fascismo é prontamente substituído pela "ameaça vermelha". A geo-política do mundo se bipolariza. Ninguém pode ficar em cima de "muro". A Guerra Fria têm inicio e a disputa ideológica entre o american way of life e a ditadura do proletáriado produz o "Equilíbrio do Terror", através da corrida armamentista.
Retrato de seu tempo, o Filme Noir nos mostra um mundo de luz e sombras, onde a moral maniqueísta e a divisão simplista entre bons e maus cede espaço à decadência e ambiguidade dos personagens. Um mundo em que a desilusão e a incerteza se embrenharam nos alicerces de uma sociedade, que faz do sucesso uma cultura e do individualismo uma religião.
O filme noir é um estilo, uma maneira de se filmar, nitadamente influenciada pelo Expressionismo alemão, pelo Realismo poético frânces e pelo romance policial . Podemos dividir a evolução da estética Noir em três fases:
A primeira, que corresponde à fase do detetive particular, da mulher fatal, dos diálogos cortantes e inteligentes, se deu durante a guerra, tendo como inspiração constante a literatura policial de Raymond Chandler, Dashiel Hammett e James M. Cain, podendo ser representada por filmes como O Falcão Maltês (The Maltese Falcon, 1941), O Destino bate sua à porta (The postman always rings twice, 1946, de Tay Garnett), Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944, de Billy Wilder). Vai de1941 a 1946.
A fase seguinte, a do período pós-guerra (45/49), deu ênfase ao crime das ruas, a corrupção e a rotina policiais. Os hérois eram menos românticos que os do período anterior . O realismo desta fase vêem de encontro ao sentimento de desilusão do pós-guerra e a difícil readaptação dos veteranos à sociedade que se transformava, podendo ser visto em filmes como Brutalidade (Brute force, 1947, de Jules Dasin), Assassinos (The killers, 1946, de Robert Siodmak) e Amarga Esperança (They live by night, 1949, de Nicholas Ray).
Na terceira e última fase, de 1949 à 1953, predomina a paranóia, o impulso suicida e a ação psicológica. O desespero e a desintegração do héroi chegam ao ápice e o assassino psicopata, não mais um mero figurante, torna-se definitivamente o protagonista. São deste período, filmes como Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard,1950, de Billy Wilder), Os Corruptos (The Big Heat, 1953, de Fritz Lang) e Mortalmente Perigosa (Gun Crazy, 1950, de Joseph H. Lewis). Era o tempo da "caça às bruxas", da histeria coletiva do Macarthismo
Entre meados de julho e fins de agosto de 1946, público e crítica franceses, assistem pela primeira vez, a um punhado de filmes que a ocupação alemã impedira de chegar a Europa. Entre eles, Laura , Pacto de Sangue e é claro, O Falcão Maltês. O cinismo e o pessimismo destas obras encontraram uma imediata ressonância no estado de espírito francês que, assim como todos os povos europeus, se encontrava bastante debilitado depois de cinco anos de intensos e desgastantes conflitos.
Cerca de um ano depois, em 22 de setembro de 1947, o Plano Marshall entra em vigor na Europa. Era a maneira encontrada pelo governo americano de evitar a disseminação da propaganda comunista, numa Europa empobrecida e devastada pela guerra.
Em seu próprio território, o medo que a classe média americana sentia da ameaça comunista, representada pela União Soviética, era alimentado e explorado pelo macarthismo. O clima era de histeria, e todo o conservadorismo e preconceito da sociedade americana era capitalizado pelo Senador Joseph MacCarthy, em prol da defesa da "pátria", contra os inimigos da "liberdade".
A paranóia era justificável até certo ponto afinal, depois de Hiroshima e Nagasaki, o mundo chegara a um impasse. Antes, o inimigo era o outro. O nazismo, com as atrocidades e barbaridades dos campos de extermínio, facilitava o trabalho de identificação das forças do mal no mundo exterior. Porém a explosão de uma bomba nuclear como demonstração de forças decretava o fim da ingênuidade e inaugurava uma era de angústia e mal-estar.
A crueldade passa a ser reflexo direto de uma sociedade que passa a ter de conviver com a ameaça de uma guerra nuclear.
Diante da aparente gratuidade da vida, aprisionado em seus próprios medos, sem a possibilidade de redenção e transcendência, o héroi noir não tem centro nem rumo, sem valores e certezas, nada mais lhe resta do que cultivar a própria solidão e vazio interiores. Assim, frente ao aparente absurdo da existência, nosso homem acaba tomando tudo cinicamente como uma grande piada, uma peça que o destino lhe pregou e sua vida, um pequeno pedaço de uma engrenagem que se move em direção alguma.
Se, no início temos a figura do detetive durão e solitário encontrando um sentindo para a existência no individualismo e no exercício de sua profissão, sobrevivenndo como um pária do mundo exterior, e mantendo uma ilusória sanidade mental às custas da indiferença e do "não envolver-se". Encontramos o homem, no final do ciclo noir, cada vez mais alienado da verdadeira causa de sua perdição, vendo o semelhante amortecer a própria consciência com sonhos de poder e riqueza, sonhos estes que, ele melhor que ninguém, sabe serem simples fantasias, ilusões que se desmancham no ar.
A contrastada fotografia em preto-e-branco, ângulos anti-convencionais, uso recorrente de ploungés e contra-ploungés, fontes isoladas de luz, profundidade de campo, locações naturais em oposição à iluminação naturalista, ao ângulo na altura do olho, às locações em estúdio, do cinema mainstream hoolywoodiano conferiam àquelas produções de baixíssimo orçamento não somente o status de filmes B, mas também um clima ao mesmo tempo onírico e real. A influência dos expatriados alemães, que chegaram em Hollywood, nos anos 20 e 30, com outra "bagagem" cultural e técnicas inovadoras , aliados à procura de um realismo cada vez maior, contribuiram definitivamente para a criação de um estilo particular.
O Sonho e a Náusea, a Psicanálise e o Existencialismo, eram ambos referências constantes. A psicanálise prestava-se à análise de personagens moral e psicológicamente perturbados. A misoginia latente explicava-se no novo papel adquirido pelas mulheres quando da entrada destas no mercado de trabalho, à partir da 2a Guerra. A alienação, a solidão, a ausência de sentido, o absurdo da existência, o vazio, compõem a atmosfera existencial de um héroi desenraizado e praticamente desintegrado, inexistente, anti-héroi.
Através das vamps, dos interprétes, dos carros, das roupas, dos cigarros, dos trejeitos, ou seja, ao sabor das imagens fetichistas da sociedade de consumo, o filme noir radiografou o progressivo adoecimento da América. O moralismo, o puritanismo, o conservadorismo, o código de censura, os orçamentos reduzidos não impediram que os mais diferentes diretores exprimissem visões amargas e cruéis do sonho americano. Pelo contrário, possibilitaram o tratamento por parte da indústria, de temas tabus e polêmicos, com criatividade e ousadia.

Bibliografia SILVER,Alain and URSINI, James. Filme Noir READER. Limelight Editions, New York, !998. GEADA, Eduardo. Cinema e Transfiguração. Editora Livros Horizonte, Lisboa, sem data. MacCARTHUR, Colin. O filme policial. Editora Livros Horizonte, 1990. REMOND, René. História dos Estados Unidos. Editora Martins Fontes, São Paulo, 1989.
Larousse, diccionario del cómic, Larousse Planeta S.A., Espanha, 1994.
Set Especial Policial e Suspense, Revista Set, São Paulo, 1989.
O mundo emocionante do romance policial, Paulo de Medeiros e Albuquerque, Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1979.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

(I'VE HAD) THE TIME OF MY LIFE - Homenagem a Patrick Swayze (Edu Reginato)


Era sempre a mesma história. O garoto tirava férias e viajava de trem para a cidade de sua avó. Ele preferia a viagem de trem porque era mais divertida, mais demorada e seus cheiros (óleo queimado) e sabores (sanduíche de mortadela e guaraná Brahma) eram insuperáveis. Completando a magia da viagem nada como comprar e ler as nunca recentes revistas do Pato Donald que um gordo empregado da FEPASA passava vendendo nos corredores.

Depois de umas doze horas de viagem quando se acreditava que o corpo, agora torto pela posição na cadeira incômoda, nunca mais voltaria normal, escuta-se o grito do cobrador de tickets: Rio Claro!!!!

E o garoto descia na cidade onde nasceu. Andava um pouco pelas ruas em direção ao centro e rapidamente se chegava a praça central. Logo adiante, depois da praça central, ficavam os cinemas. Eram dois no centro ao lado da praça (Cine Excelsior I e II) e um perto do apartamento da minha avó (o fantástico Cine Tabajara), daqueles antigos, ainda os únicos da cidade.

Era esse caminho que o garoto sempre fazia quando chegavam às férias e o que mais queria era ver a programação do mês e calcular quantas sessões ele assistiria e quanto dinheiro teria que pedir para sua avó.

Se essa premissa parece de um filme tipo Cinema Paradiso, anos depois ao assistir o filme italiano, o garoto acreditaria ter vivido diversos filmes na sua vida e visto morrer vários cinemas como do italiano, no entanto em silêncio, sem o rugido do leão.

O ano era 1987 e a cultura dos blockbusters ainda não havia tomado o Brasil.

As salas de exibição não rendiam muito, mas ainda permaneciam meio capengas no circuito. Eram sempre maltratadas, cheias de pó com a tela branca manchada de umidade, caixas de som estouradas, cheiravam a mofo e gerações de suor acumulados no pano puído das poltronas. Mas, eram as salas da vida do garoto e para ele até o fim da vida, as melhores sala do mundo.

Passado o tempo, as crises no setor e a crescente demanda de qualidade tecnológica para os cada vez mais mirabolantes filmes blockbusters, foram necessárias que novas salas fossem construídas, melhor equipadas e melhor localizadas, geralmente num shopping.

As salas antigas, sem lucro, eram fechadas e se transformavam em Igrejas da seita Universal do Reino de Deus ou, na melhor das hipóteses, estacionamentos.

Na vida do garoto ele veria morrer seis velhos cinemas: Cine Excelsior I e II, Cine Tabajara, Cine Peduti, Cinema do Largo do Machado e Cine Paissandu.

Depois de ver a programação esperava a noite chegar e ia assistir ao filme que passava. Poderia ser qualquer filme, qualquer porcaria e olha que o garoto assistiu muita porcaria. Mas, no meio desses filmes havia alguns títulos duvidosos que o surpreenderam e um desses filmes foi Dirty Dancing - Ritmo Quente. O garoto até hoje acha engraçado gostar muito desse delicioso filme de mulherzinha.

Lembrei desse filme e dessa história porque comprei o DVD edição especial 20 anos de Dirty Dancing e, também, porque meses atrás faleceu o ator Patrick Swayze, vítima de um câncer no pâncreas que lutava há 2 anos.

Para o garoto e para mim, Patrick protagonizou um dos filmes musicais mais divertidos de todos os tempos e que tinha uma das melhores seleções musicais já produzidas, ora, eu comprei os LPs da trilha!

O filme era muito ingênuo e (para quem estava fora do planeta nessas últimas décadas) tinha uma história simples sobre Frances Houseman (Jennifer Grey, a irmã antipática de Ferris Buller), conhecida como Baby, que está passando férias com a família num resort em Catskills. Um dia ela descobre onde os funcionários do hotel se divertem e dançam, e acaba se apaixonando por Johnny (Patrick Swayze), o instrutor de dança. Quando a parceira de dança de Johnny fica grávida, ao se envolver com um dos garçons, Baby se oferece para aprender a dançar e substituir a moça. Mas o pai de Baby, quando descobre, não aprova, pois considera que Johnny é de outra classe social, e por acusá-lo de engravidar sua parceira.

É bem uma trama da novela das seis, mas quando entravam os números musicais o filme empolgava e não era apenas isso, a química de Patrick e Jennifer funcionava muito bem, um misto de inocência e sensualidade.

O filme começa com a fantástica Be My Baby do The Ronettes e termina com o empolgante e kitch número de dança ao som de (I've had) The time of my life cantada por Bill Medley e Jennifer Warnes. Eu e o garoto simplesmente amamos o final desse filme. E acho que em parte é por causa dele que o filme virou, aos poucos, um cult.

Dirty Dancing fez o garoto sair mais leve do cinema, feliz da vida, acreditando em amor, sexo, garotas e que antes de morrer teria que aprender a dançar daquele jeito.

Não vou falar aqui sobre a vida e as dores de Patrick Swayze. Quem precisa saber?!? Vou falar de como esse ator meio canastrão, mas carismático,  ficou na minha memória.

Ao protagonizar Dirty Dancing, Patrick me fez acreditar num bem maior que era a felicidade, não só aquela fantasiosa ali na tela, sim aquela sentado na poltrona do velho cineminha de Rio Claro.

E é por isso que esse garoto ainda permanece vivo, e eu já adulto teimo em revivê-lo, pois somos um só e não podemos matar essa criança mágica que todos temos, principalmente se ela cresceu com altas doses de cinema nas veias.

É, acho que vou assistir, pela milionésima vez, esse filme para relembrar o seu dançarino, o nosso velho Patrick e, também, em homenagem ao velho cinema que morrera anos antes do que alguns de seus heróis.