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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

BANIDO! A HISTÓRIA DOS "VíDEOS NASTIES" (Gabriel Paixão)

A censura sempre foi um grande problema para os filmes cuja violência é evidentemente gratuita ou quando há excessiva depreciação dos valores ditos morais. Nestes caso, os conservadores entram em choque direto com os que defendem a pura e simples liberdade de expressão - não muito raramente esta discussão entra em níveis caseiros como, por exemplo, entre pais e filhos. Os argumentos entre ambos são fortes e contundentes e a pergunta fundamental a ser feita é mais do que óbvia: onde termina a liberdade de expressão e começa a falta de escrúpulos dentro do cinema? Qual é o limite entre a responsabilidade e a criatividade?Quando se estuda um pouco mais a fundo o enredo por trás dos roteiros e dos elencos, chega-se invariavelmente a esta discussão moral e poderia ficar desfiando linhas e mais linhas desta polêmica, porém cada cabeça é uma sentença e também não é este o alvo deste artigo. Seu objetivo é ser um documento histórico de um capítulo a parte na trajetória dos filmes de horror, esmiuçar um dos períodos mais conturbados do cinema no Reino Unido e um exemplo da dureza da censura no país mais conservador do velho continente, onde interesses unilaterais, paranóia e contradições baniram por muito tempo grandes obras controversas (e algumas continuam banidas até hoje). Filmes estes que eram referidos na época pelo termo "vídeo nasty" (ou "vídeo desagradável" numa tradução livre). Recordar é viver, afinal já disse Winston Churchill, "Aqueles que falham em aprender da história estão condenados a repeti-la" (frase esta aproveitada nos créditos de abertura de CANNIBAL HOLOCAUST do diretor Ruggero Deodato, um dos "video nasties").No início dos anos 80 a Inglaterra não era muito diferente do Brasil nos termos de distribuição de VHS, pequenas e numerosas distribuidoras de fundo de quintal apareciam e sumiam em velocidade espantosa. Com a explosão da popularidade dos vídeos cassetes e por não poderem adquirir os sucessos de Hollywood, lançavam aos borbotões qualquer coisa que satisfizesse a demanda crescente, entre eles entravam os filmes de terror que em sua maioria eram estrangeiros e jamais antes exibidos. Na realidade algumas destas produções eram tão obscuras e violentas que de outra forma jamais conseguiriam um lançamento em cinema no país.
Estas empresas faziam de tudo para conquistar sua clientela, na maior parte das vezes empregando artes de capa e contra-capa de gosto questionável para trazer a "atração pelo repúdio", que é o tema principal do excelente livro da editora britânica FAB Press, "Shock! Horror! Astounding Artwork from the Video Nasty Era". O mercado estava aquecido e as fitas de horror se tornaram imediatamente populares nas salas dos ingleses.Já existiam regras sobre o lançamento de pornografia no Reino Unido - que datam de 1959 e em 1977, sendo depois ampliada para o caso específico dos filmes eróticos -, contudo não havia regulamentação para os VHS's - ou seja, materiais de toda espécie poderiam ser irrestritamente comercializados em qualquer lugar - e em 1981 as grandes distribuidoras relutavam em embarcar nesta nova mídia com medo da pirataria e do mercado se saturar com estes pequenos filmes obscuros que estavam enchendo as prateleiras no comércio (ao contrário de hoje em que o varejo é dominado por elas).

Por algum tempo esta explosão continuava imbatível: todos os consumidores estavam felizes, o mercado cresceu maciçamente e as companhias começaram a fazer campanhas de marketing cada vez mais agressivas. Por exemplo, em 1982 a distribuidora VIPCO (Video Instant Picture Company, hoje uma das principais na distribuição do gênero) enquanto lançava DRILLER KILLER, publicou propagandas que ocupavam páginas inteiras em diversas revistas especializadas, a despeito da violência gráfica da arte original da capa, o que resultou em diversas reclamações na agência governamental reguladora da publicidade. A distribuidora Astra lançou o filme SNUFF sem os créditos iniciais e o vendia subjetivamente como um "snuff real"; títulos eram trocados para ampliar o chamariz como o slasher NIGHTMARE renomeado como NIGHTMARES IN A DAMAGED BRAIN. Alguns meses depois a empresa Go Video, em um esforço para promover publicidade para o lançamento de CANNIBAL HOLOCAUST, escreveu anonimamente para Mary Whitehouse (uma ativista que parecia se ofender com qualquer coisa, até com os desenhos do Tom e Jerry) enviando-a uma cópia do filme, foi quando as primeiras rachaduras na indústria apareceram e o que elas mostravam era uma previsão de que as coisas começavam a andar errado.

Esse aspecto somado as condições daquele povo nestes tempos - alta criminalidade, desemprego elevado e recessão econômica - fizeram com que estes filmes fossem o "bode expiatório" que a política estava procurando, afinal quem do povo iria se importar se um filme pequeno como SS EXPERIMENT CAMP fosse banido? Certamente uma infímia parcela de alienados, deviam pensar.

Não tarda muito e em 1982 (ironicamente pouco tempo depois que é divulgado que THE EVIL DEAD alcançava a liderança anual em locações no Reino Unido) a campanha inflamada contra os já nomeados "videos nasties" de Mary Whitehouse, comparando o impacto de filmes como CANNIBAL FEROX com a descoberta do vírus HIV, tomava a televisão e os jornais, provocava frenesi e histeria em massa na população culpando seus problemas pela exposição dos jovens a violência filmada - "caça às bruxas" estava instaurada. Incrivelmente esta "auto-promoção" de Whitehouse só serviu para aumentar ainda mais a demanda por estas produções entre os adolescentes e a meta da Go Vídeo surtiu mais efeito que o esperado. De forma que o Quadro Britânico dos Censores de Filmes (British Board of Film Censors ou BBFC), que é o órgão governamental que já controlava a censura nos cinemas, ampliasse os conceitos da lei de obscenidade de 1977: a lei aprovada passou a chamar-se como "Video Recordings Act 1984" entrando em vigor no dia 1º de setembro de 1985.Sob o "ato 1984" a BBFC (renomeada como British Board of Film Classification) ficaria responsável também por certificar os lançamentos em vídeo com efeito imediato, além de exigir que todos as produções lançadas antes da data da lei deveriam ser re-submetidas em um prazo de 3 anos, dividido em etapas. A contraditória classificação em separado (pelo medo de que estas fitas parassem nas mãos de crianças) fez com que muitos filmes que eram lançados sem cortes no cinema fossem cortados em VHS. O caso mais particular foi no filme O EXORCISTA que, lançado nos cinemas e em VHS pela Warner Home Vídeo em Dezembro de 1981, não conseguiu uma certificação pela BBFC e foi retirado das prateleiras em 1986 (contudo, não citado posteriormente no rol dos "videos nasties").

Com as pequenas distribuidoras não houve tempo para resposta. Armados com uma "lista negra", a polícia corria pelo país apreendendo vídeos. Alguns deles eram retirados em uma locadora em um condado e largado em outro condado adjacente; alguns títulos eram escolhidos a esmo enquanto outros eram confiscados para valer. Alarmados com a evidente seleção arbitrária, o inconsistente trabalho da polícia e os cem números de estabelecimentos que faliram com multas e apreensões, a Associação das Locadoras de Vídeo suplicou ao Departamento de Procuradoria Pública (DPP) por orientações sobre quais materiais poderiam ser comercializados e quais eram candidatos ao confisco. Reconhecendo as falhas no processo, o DPP preparou uma lista com os filmes que deveriam ser autuados e cujos processos contra as respectivas distribuidoras estavam concluídos. Esta lista foi conhecida como a "Video Nasties list".

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